O que os ministros do STF tanto escondem?

Dos abusos corriqueiros dos inquéritos sigilosos, em trâmite no STF desde 2019, destacam-se os vazamentos seletivos de informações à imprensa e o Tribunal não permitir a partes e defesa acesso à integra dos autos. À imprensa entregam o que é das partes, às partes, quase nada. Para não dizer que as ilegais ocorrências se dão em cem por cento das vezes, pode-se dizer que foram noticiadas em casos como de Filipe Martins, Daniel Silveira e, mais recentemente, no impedimento de acesso aos autos da defesa do general Braga Netto e no vazamento da delação de Mauro Cid.
Eu mesmo passei por idêntica situação, tendo sido o primeiro advogado a atuar nos inquéritos das Fake News, defendendo uma revista chamada Crusoé, que publicou à época uma reportagem cujo título era “O amigo do amigo de meu pai”, em referência a um dos ministros, e foi censurada. Não sabendo que a restrição aos autos se tornaria um modus operandi do STF, recordo-me de ficar surpreso com a negativa, pois havia – e ainda há – a súmula vinculante de número 14 da Corte, garantindo acesso integral a partes e advogados. Como levar a sério uma súmula que nem o próprio tribunal que a fez a respeita? Além disso, quando a censura foi levantada, soube primeiro pela imprensa e, muito depois, por vias oficiais. Todo esse calvário jurídico está detalhado em meu livro “Censura por toda parte: os bastidores jurídicos dos inquéritos das fake news”. As alegações do STF e dos ministros são sempre as mesmas. Dizem que os advogados falseiam a verdade, que recebem o que importa a seus clientes e que isso é o bastante. Não, não é o bastante. Não se constrói uma defesa com base em um conteúdo parcial ou editado. Não há, dessa forma, paridade de armas, pois o advogado defenderá seu cliente com base em um arremedo, mas seu cliente será julgado com base na íntegra dos autos, que são de conhecimento do juiz. No meu caso, cheguei a receber certa vez, por WhatsApp, mais do que entendiam ser a parte que me cabia do latifúndio inquisitorial dos inquéritos e, sem querer, acabei descobrindo que o STF, a pedido da PGR, estava investigando até mesmo os leitores da revista. Como fazer a defesa de acusações sem sentido, lançadas de surpresa no colo de advogados? O STF e seus ministros sabem muito bem que isso não está certo e, quanto mais tiram as investigações da vista das partes e dos advogados, mais fica no ar uma indigesta pergunta: o que tanto escondem? E mais, será que mostram à imprensa a totalidade do que escondem das partes? Duvido muito. O que há de tão secreto nas investigações e julgamentos da Corte, que sua revelação causaria ao país um mal maior do que soterrar o direito à ampla defesa de tantas pessoas, soterrando no final a própria democracia?
Sobre o autor André Marsiglia é advogado constitucionalista, especialista em liberdade de expressão. Formado em Direito e Letras pela USP. Mestre e doutorando pela PUC-SP. É fundador do Instituto Speech and Press. Foi consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). É membro da Comissão de Mídias da OAB, da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP e membro julgador do Conselho de Ética do CONAR. Escreve sobre liberdade de expressão e judiciário, sempre às terças-feiras, no Portal GMC Online As opiniões do colunista não necessariamente refletem a opinião do veículo.
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