Aluna da rede estadual de Jardim Alegre escreve livro sobre bullying e dá voz à batalha silenciosa de inúmeros estudantes
Ações e comportamentos agressivos, feitos de forma constante a uma pessoa ou grupo. Situação que causa muito sofrimento e acontece, ainda com muita frequência, nas escolas. Termo bastante conhecido, o bullying humilha, intimida e traumatiza suas vítimas, podendo trazer consequências psicológicas profundas como depressão e distúrbios comportamentais. Dia 7 de abril é o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola e uma aluna da rede estadual de ensino encontrou motivação para ajudar colegas e demais estudantes que passam pela mesma situação.
“Eu sofria calada”, relembra Ariane Emanuele Sztaler, de 14 anos. Então aluna do ensino fundamental no Colégio Estadual Cívico-Militar Anita Garibaldi, em Jardim Alegre, no centro do estado, a jovem passava por maus bocados na escola. Tímida, a estudante de personalidade retraída e discreta era alvo de chacota dos colegas, justamente por esses motivos. “Não me deixavam em paz. Primeiro caçoavam de mim por eu ser tímida. Depois começaram a falar do meu cabelo, do meu corpo, da minha cor. Eu não retrucava, fingia que não estava ligando, mas quando chegava em casa eu desabava”, revela. O suplício se arrastou por anos, sem que Ariane percebesse o quanto sua saúde mental estava enfraquecida por conta do bullying. “Eu me sentia desanimada em ir à escola. Não tinha motivação para sair de casa e queria interagir cada vez menos”, conta.
Espectadora do sofrimento da filha, Eliane Sztaler, de 49 anos e também professora (da rede municipal), sugeriu então – no início de 2022 – que a jovem começasse a escrever sobre o que sentia. “Era difícil saber o que ela passava. Eu ficava de mãos atadas mas tentava aconselhá-la. Uma solução que imaginei foi que ela passasse tudo para o papel, como forma de aliviar um pouco a tristeza”, conta.
O conselho virou projeto. “Enquanto eu escrevia sobre mim, comecei a lembrar de outros colegas vítimas de bullying e imaginei quantos mais não estariam sofrendo calados, como eu”, lembra Ariane. Com a ajuda de Eliane, a estudante reuniu alguns alunos que estavam dispostos a colaborar com seus depoimentos. Com a autorização das diretorias de algumas escolas do município, Ariane distribuiu questionários para cerca de 300 alunos, com idades entre 12 e 16 anos e, por meio da pesquisa, coletou dados que serviram como base para que o perfil das vítimas de bullying, bem como as principais formas de ataque dos agressores, fossem traçados. “Por meio do levantamento, observamos que as vítimas são predominantemente alunos pardos ou obesos, por exemplo”, afirma.
No que diz respeito à idade, a pesquisa apontou que a principal faixa etária alvo do bullying é de 9 a 11 anos e que quase 60% dos estudantes matriculados tinham sofrido algum tipo de agressão. “O problema é muito mais grave do que aparenta e, hoje, ultrapassa as paredes da escola e invade a vida pessoal, por meio da Internet e das redes sociais”, afirma Lourival de Araújo Filho, coordenador de Direitos Humanos da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Ainda segundo o especialista, a questão é um problema que não se resolve sozinho. “É preciso recorrer a um adulto, profissional, professor ou colega. O problema é que a muitos falta coragem. Por isso, materiais que conscientizem sobre o bullying numa linguagem próxima dos jovens, seja online, em plataformas de vídeo, redes sociais, sites e livros – como o de Ariane – desempenham papel importante no combate a essa violência”, ressalta.
Depois de 6 meses de intenso trabalho, o resultado final veio em novembro do ano passado. Reunindo em 102 páginas dados, legislação e testemunhas (contados por meio de histórias em quadrinhos) o livro intitulado “Bullying: caia fora dessa” foi publicado.
“Para o lançamento, fizemos uma tarde de autógrafos na escola e um café especial. Foi um evento muito importante porque foi mais uma prova para toda a comunidade escolar de que o bullying não pode ser tolerado e que as vítimas estão começando a falar”, afirma Maristella Aparecida Scaramal Caetano, diretora do Colégio Estadual Cívico-Militar Anita Garibaldi. A diretora explica ainda que, antes do lançamento do livro, palestras junto à Patrulha Escolar, conversas e abordagens em sala de aula já eram feitas para conscientizar os alunos. O livro, então, veio a contribuir ainda mais para o combate à violência em sala.
Com dezenas de exemplares vendidos, o material já cumpre o objetivo pelo qual foi concebido. “Depois do lançamento do livro, muita gente começou a me abordar para desabafar e falar sobre o problema. Somente na escola onde trabalho, cerca de 40 alunos me procuraram para abrir o coração”, conta Eliane. O mesmo acontece com Ariane. “Depois que o material começou a circular, parece que as pessoas se sentiram validadas e entenderam que suas vozes devem ser ouvidas. Tenho colegas que me procuram para conversar e falar sobre o que passam. Juntos, estamos entendendo que o bullying fala muito mais sobre quem pratica do que sobre a vítima e que nós não devemos ficar calados”, finaliza.
DIA NACIONAL — O dia 7 de abril foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola pela Lei Federal 13.277/16. A medida determina práticas pedagógicas que envolvam as instituições de ensino no debate do combate ao bullying e à violência escolar no Brasil.
No Paraná, foi instituída a Lei nº 17. 335, de 10 de outubro de 2012, que fortalece o combate ao bullying nas escolas públicas e privadas do estado. A lei estadual é similar à federal, trazendo mudanças quanto às competências das instituições de ensino e a elaboração de um plano de ação com medidas preventivas ao bullying.